terça-feira, outubro 30, 2007
O oportunismo aborteiro de Sérgio Cabral
O governador que fez vasectomia sugere aborto para desativar a "fábrica" de marginais da favela  | 
   QUANDO O GOVERNADOR Sérgio  Cabral usou o trabalho do  economista Steven Levitt  ("Freakonomics") para defender o  aborto como política de segurança  pública, dizendo que a favela da Rocinha "é uma fábrica de produzir  marginal", juntou, num só "bonde",  oportunismo, impostura e ignorância. 
Cabral é oportunista porque, em  setembro de 1996, quando era candidato a prefeito do Rio, descascou seu  adversário, Luiz Paulo Conde, por  defender o aborto. Nas suas palavras:  "Conde foi leviano. O que o Rio precisa é melhorar o atendimento na  saúde". Continua oportunista ao  tentar reescrever o que disse ao repórter Aluizio Freire, do portal G1,  onde sua entrevista está conservada  na íntegra. 
Cabral praticou uma impostura  quando embaralhou uma questão de  direito -a decisão da Corte Suprema  que, em 1973, legalizou o aborto nos  Estados Unidos-, com as estatísticas do crime nos anos 90. A Corte decidiu uma dúvida constitucional: o  direito da mulher de interromper a  gravidez. Esse é o verdadeiro e único  debate do aborto. Nada a ver com o  propósito de fechar (ou abrir) "fábrica de produzir marginal". Levitt, por  sua vez, indicou que o aborto foi responsável por até 50% da queda na  criminalidade americana. Em momento algum apresentou-o como alternativa de controle da natalidade. 
Pelo contrário, qualificou-o como  "um tipo de seguro rudimentar e  drástico". Cabral submeteu-se a uma  vasectomia e não terá mais filhos (teve cinco). 
Tanto Levitt como a Corte Suprema não atravessaram a linha que o  doutor transpôs, vendo no aborto  uma modalidade de política pública  capaz de produzir segurança. Uma  coisa é dizer que houve uma relação  de causa e efeito entre a liberação do  aborto e a queda da criminalidade.  Bem outra é associar o aborto às políticas de segurança pública. 
A teoria de Cabral sustentou-se na  ignorância. Ele disse que a Rocinha  tem taxas de fertilidade africanas.  Besteira, elas equivalem à metade. 
Em 2000, o número médio de filhos nas favelas cariocas (2,6) era superior ao dos outros bairros do Rio (1,7), mas ficava próximo da estatística nacional (2,1). Quem acha que o problema da segurança está na barriga das faveladas, deve pensar em mudar de planeta. A taxa dos morros do Rio é a mesma do mundo.
Nos anos 70, muitos sábios sustentavam que o Brasil precisava baixar  sua taxa de fertilidade (5,8) para distribuir melhor a riqueza. Passou-se  uma geração, a fertilidade caiu a um  terço (1,9) e o índice de Gini, que mede as desigualdades de renda, passou  de 0,56 para 0,57, chegando ao padrão paraguaio. Nasceram menos  brasileiros, mas não se reduziu o fosso social. 
A tropa de elite pode acreditar que  se aprimora a segurança pública com  o capitão Nascimento cuidando dos  morros e o governador Cabral dos  ventres. As contas de Levitt são honestas, suas conclusões são rigorosas  e "Freakonomics" é um ótimo livro.  Aplicando-se a outros números de  Pindorama o mesmo tipo de tortura  cerebrina a que Cabral submeteu as  conclusões do economista americano, seria possível dizer que a queda  de 67% na taxa de fertilidade nacional provocou um aumento de 300%  nos homicídios no Rio de Janeiro. 
Serviço: o artigo "The Impact of Legalized Abortion on Crime" , de Steven Levitt e John Donohue 3º, está na internet, infelizmente em inglês. É melhor do que o resumo publicado em "Freakonomics".
O TUCANATO E SUA PRIVATARIA DA GIRAFA A Agência Reguladora de Transportes de São Paulo, dirigida pelo doutor Carlos Eduardo Sampaio Dória, ex-presidente da Câmara Municipal da capital, ex-deputado federal e ex-presidente da falecida Telesp, contestou uma nota publicada aqui na semana passada. Nela, sob o título de "Girafa", o signatário considerava esquisitas as condições da prorrogação, em 2006, de dez contratos de concessões rodoviárias que venceriam em 2008. Um deles foi estendido até 2018. O mimo, sacramentado ao apagar das luzes do governo de Cláudio Lembo, assegurou às concessionárias a taxa média de lucro de 20% ao ano, fixado em 1998.
A Agência oferece uma informação relevante a respeito dos critérios que orientaram as exigências e a taxa de lucro das concessionárias: "Foram ambos fixados unilateralmente pelo Estado na origem das concessões, independentemente da conjuntura econômica da época".
Como a variável macroeconômica ficou de fora, o tucanato e as empreiteiras ficam dispensados de repetir que a taxa de lucro médio de 20%, contratada em 1998, deveu-se às incertezas da ocasião. Se entre 1998 e 2006 a taxa de juros caiu de 28% para 12%, azar da patuléia. Os pedágios paulistas, prorrogados até 2018, continuarão a ser os mais caros do país, de longe.
O texto da semana passada tinha o título de "Girafa" em homenagem ao ruminante de cabeça pequena e pescoço grande, que come no andar de cima das árvores. (É lenda a história segundo a qual ela usa a língua para limpar as orelhas.)
FINAS MEMÓRIAS
Saiu um livro precioso nos Estados Unidos. É o diário de Arthur Schlesinger Jr. Ele morreu em fevereiro, aos 89 anos, depois de ter lecionado em Harvard, trabalhado com o presidente John Kennedy e vivido no pedaço mais inteligente e divertido do andar de cima mundial. Dificilmente será editado no Brasil. Aqui vão quatro pedaços dessas memórias de um homem brilhante, cortesão, fofoqueiro e pérfido:
Chelsea Clinton
Do senador republicano John McCain sobre a filha do ex-presidente: "Sabe por que ela é tão feia? Porque é filha ilegítima de Hillary Clinton com Janet Reno". (A senhora Reno, procuradora-geral no governo Clinton, é um armário.)
Lyndon Johnson
Exemplo de empatia com uma platéia dado pelo presidente Johnson ao redator de um discurso para o lançamento de um programa de assistência odontológica: "Quero que você escreva um texto capaz de levar uma velha desdentada da primeira fila a sentir minha mão debaixo de sua saia".
Hillary Clinton
O ator Gregory Peck viu-se sentado numa mesa onde Hillary Clinton estava ladeada por dois professores: "A senhora não tem idéia do prestígio que dá aos acadêmicos sentando-se entre dois deles, quando podia estar ao lado de Gregory Peck". Hillary: "Mas daqui eu passo o jantar olhando para Gregory Peck".
Vinho branco
Sobre coquetéis onde não é servido uísque: "A teoria segundo a qual depois de um dia de trabalho o sujeito precisa de um copo de vinho branco parece-me mais uma prova da decadência da nova geração".
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